Diferentemente da maioria de nós, que descendemos dos macacos, o gaúcho Tarso parecia um descendente dos cavalos: cavalgava sobre os amigos, os inimigos, as mulheres e sobre si próprio, sem se importar com os estragos provocados pela força dos cascos a galope. Era brutal e sedutor. E, por mais que tentem apagá-lo dos registros, ficará na história e na lenda como o criador do Pasquim. É verdade que mais na lenda do que na história – porque ele não o criou sozinho. Jaguar e Sérgio Cabral foram seus sócios na origem do jornal, em 1969, sem falar no brilho individual dos primeiros colaboradores, como Millôr Fernandes, Ziraldo, Claudius, Fortuna, Henfil, Luiz Carlos Maciel, Paulo Francis e o diretor de arte Carlos Prospéri. Mas, com sua audácia e criatividade, Tarso foi o amálgama inicial para a imagem debochada do Pasquim, numa época em que o AI-5 acabara de fechar os canais políticos sérios. O sucesso foi incrível: dos 12 mil exemplares iniciais, o jornal passou a 200 mil por semana em apenas cinco meses.
Ele tinha a vocação para criar jornais e o talento para fazê-los, mas sua irresponsabilidade os condenava à vida curta. Sob sua administração, o Pasquim passou a levar uma feroz vida social fora da redação: fechava bares, alugava aviões e se instalava em hotéis de luxo. Um cartão de crédito em seu bolso era um foguete para Júpiter. Nas boates, quando uma garrafa de uísque caía da mesa e começava a derramar, a ordem de Tarso aos garçons era deixá-la esvaziar-se. Quando se descobriu que, com menos de dois anos de vida, os lucros do jornal também tinham escorrido para a Escócia e o prejuízo já parecia impagável, os sócios o afastaram para que o Pasquim pudesse sobreviver.O Tarso que chegara ao Rio em 1962, vindo do Rio Grande do Sul para trabalhar com Samuel Wainer na Última Hora, era irreconhecivelmente simples e moderado. Na verdade, levou anos anônimo no Rio. Mas o sucesso o transformou e o estrondo do Pasquim investiu-o de um poder que poucos podiam disputar. Tornou-se um personagem: em qualquer lugar em que estivesse, era o que bebia mais, o que falava mais alto e o que saía com a mulher mais bonita. E não economizava suas opiniões: seus ódios ou admirações eram proclamados por escrito ou, ao vivo, nos botequins. Tinha multidões de afetos e desafetos, mas ninguém podia negar-lhe a coragem.
Pode-se dizer que Tarso foi para a cama com todas as mulheres que quis. Era um frenesi erótico que fazia pipocar úlceras até em seus amigos mais bem-sucedidos nesse terreno. Os inimigos, então, queriam comer vidro moído ao saber de algumas de suas conquistas. O estoque das mulheres de Tarso incluía as que ele acabara de conhecer; as que conhecera pouco antes e estava guardando para um dia de chuva; e as que já conhecia havia muito tempo, inclusive as dos amigos. As mulheres o achavam alegre, bonito e irresistível. Ele também se achava. Quando declarou no Antonio’s (onde nunca pagou um uísque) que precisava de dinheiro para ir à Bahia encontrar a estrela Candice Bergen (então filmando por lá), os amigos cotizaram-se e forneceram o dinheiro, torcendo para que Candice lhe desse um chute que o devolvesse voando ao Rio. Tarso foi – e teve com ela um caso que se prolongou por Búzios, pelo Rio e por várias cidades onde houvesse uma cama. Em sua autobiografia, ela descreveu Tarso como “um ex-guerrilheiro que entrou em Havana com Che Guevara”. Ou seja, a pateta acreditou em tudo que ele lhe disse. Daí a tempos, de volta aos Estados Unidos, Candice escreveu a Tarso para dizer que não se veriam mais porque iria casar-se com o cineasta francês Louis Malle (famoso por ser baixinho). Tarso apenas comentou, resignado: “Dos Malles, o menor”.
Seus amigos eram Chico Buarque, João Ubaldo Ribeiro, Luiz Carlos Maciel, Hugo Carvana, José Lewgoy, Leila Diniz, Regina Rozemburgo, Antonio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes, Ricardo Amaral, Julinho Rego, César Thedim, Leonel Brizola. Os inimigos eram todos os que falassem contra seus amigos, com ou sem motivo justo. Para vingar-se de Jaguar, que o classificara como um “provinciano deslumbrado”, publicou o anúncio de “falecimento” do cartunista na Folha de S. Paulo. Quando ele próprio, Tarso, morreu, seus amigos escreveram obituários carinhosos, mas nem eles puderam esconder o quanto Tarso os incomodava. “Defeitos visíveis e qualidades nem sempre visíveis, sobretudo para quem o via de longe, ou o sofria por perto”, escreveu Otto Lara Resende na Folha.
Sua morte já estava anunciada desde pelo menos 1988, quando os quase trinta anos de álcool em quantidades industriais provocaram-lhe uma cirrose hepática. Otto escreveu também: “O riso apagava no rosto o vinco das noites boêmias. A vida jogada fora, num gesto de desdém e rebeldia. Mas onde está a vida dos que a depositaram na poupança?”. O objeto da frase era Tarso, mas ela poderia igualmente aplicar-se a Zequinha Estelita, Roniquito de Chevalier, Hélio Oiticica, Cazuza e a outros personagens de Ipanema que nunca se pouparam para a vida – ou para a morte. Uma coisa é certa: Tarso nunca se arrependeu de nada.
Frases
Viver é fácil. A dor é apenas o intervalo para fumar. * Perdi 25 milhas. Por sorte, não as tinha. * Devo ter todos os defeitos possíveis, mas faço questão de exercer minhas virtudes. * É preciso ter amigos, mas poucos.(RUY CASTRO, Ela é carioca – Uma enciclopédia de Ipanema, Companhia das Letras, 1999, 452 págs.)