março 30, 2012

trintademarçodedoismiledozeII


Acho que passei uma boa parte da minha vida andando de ônibus.
Seja para ir à aula, trabalhar ou viajar para visitar alguém. E hoje, não foi diferente.
Nos meus fones, uma música lenta. Assim como o meu estado de espírito.
Nas mãos, meu bloquinho e meu celular.
Na mente, nada.
Então, alguém tocou meu braço, olhei sem pensar em nada e tirei meus fones.
Era um moço de olhos azuis. Um azul lindo.
Tão lindo que era triste.
Tão triste que era lindo.
Assim como todos os sinais que marcavam seu rosto jovem. 
Sinais de tristeza. De sofrimento.
Na mão esquerda, uma aliança de um dourado quase amarelo, bem fina.
E na esquerda, uma caixa de gomas.
“É um real, moça.”
Abri minha carteira, tirei uma moeda dali e lhe entreguei.
Em troca, um pacotinho dos doces.
E ele continuou oferecendo a todos que estavam no ônibus.
Pessoas que estavam indo para suas casas, suas escolas, seus trabalhos.
E mais ninguém comprou.
Um real. Era só esse o preço das balinhas que eu comprei com uma simples moeda.
Mas eu queria tanto que ele soubesse que naquela moeda que lhe entreguei, estava depositada toda a minha esperança de que ele conseguisse sustentar a esposa que deve ter uma aliança brilhante igual à dele. E talvez os filhinhos que eles possam ter. E quem sabe cães, pássaros ou gatos que vivam lá também.
Ou ninguém. Pois talvez o aro dourado fosse só mais um anel.

Aquela era uma das minhas últimas moedas.
Mas naquela moeda, tinha toda a minha admiração por aquele trabalhador.
ICS

trintademarçodedoismiledozeI










E distraída ouvindo uma música qualquer
passei pelo trabalhador que sob o sol quente do outono
colocava asfalto novo na rua.
Ele estava suado e me olhou sorrindo.
No bolso dele, um pente e um garfo.
Em suas mãos, uma pá e toda a sua dignidade.

ICS

março 22, 2012

Quando a revolta é falha

"Cansei!
Vou parar de trabalhar e vou trancar a faculdade.
Comprarei uma Kombi e sairei pelo país vendendo brincos e colares.
Viverei sem regras e sem rotina. Uma riponga no século da prisão digital.

Mas eu não sei dirigir. Muito menos fazer brincos e colares.

 Me vê um café bem forte, por favor?
 (Abre um arquivo em branco de Word)
Está na hora de voltar ao trabalho."

-ICS

Despedida



Prezados senhores,
Eu, Ingra Costa e Silva, brasileira, solteira, RG XXXXXXXX , CPF XXXXXXXXXX, Título de Eleitor XXXXXXXXXX, Zona XX, SeçãoXXX, residente e domiciliada na Rua XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX declaro que não me sinto satisfeita com as mudanças programáticas ocorridas no PT. O Partido dos Trabalhadores que em sua fundação pregava que apenas o socialismo era a saída para uma sociedade igualitária, discursa junto e igualmente o PMDB. Alianças com setores que outrora eram combatidas, agora faz-se natural na rotina do partido. Ver ícones que por vezes representaram toda a ideologia que tenho, da igualdade social, do fim da repressão agora abraçados com José Sarney e Renan Calheiros.  O glorioso partido do povo, que ajudou a derrubar Fernando Collor, agora governa juntamente com ele e seu partido.
Hoje, o partido vive o auge da politicagem, da teoria do “uma mão lava a outra”, da troca de favores. A ética não existe mais. O povo é enganado, é iludido com migalhas como o bolsa Família, que deveriam (e poderiam) auxiliar de forma decente o povo brasileiro, em vez da miserável quantia que lhes é oferecida. Ou ainda o PROUNI, que nada mais é do que uma falta de consideração com os estudantes. A maioria das bolsas é de 50 por cento, sendo que o aluno ou financia o resto, ou vive passando necessidade. Pois não é só a mensalidade que ele tem que pagar: é o alimento caro, é o valor injusto da passagem de ônibus, é o superfaturamento dos aluguéis, é o jatinho de político corrupto. É tudo. Porquê ao invés de beneficiar as privadas com o PROUNI, o governo não constrói mais universidades federais? Mas quando falo construir, não me refiro apenas à sede física, nem ao aumento de número de vagas nas já existentes Universidades Públicas, mas na estrutura como um todo. Professores qualificados, sede física que suporte o número de alunos, RU digno, casa do estudante.
Sem contar, ainda, com a alienação de muitos integrantes do partido, principalmente a juventude. Ao participar do CONUNE pude ver claramente como os ‘militantes’ do PT se comportam. Muitos dos que encontrei por Goiânia, me disseram que tinham viajado de graça, com tudo pago e ainda haviam ganho crachás de delegados. A maioria, nem sabia o que estava acontecendo. Apenas faziam o que lhes havia sido ordenado: apoiar a UJS e falar a palavra de ordem “Direita, Esquerda” apontando, na ordem, para a oposição e logo mais para si. Vivi ainda um momento de tensão, quando integrantes da corrente CNB partiram pra cima de quem estava na bancada reservada a Juventude da Articulação de Esquerda que gritavam uma palavra de ordem pedindo 10% do PIB pra educação. Pobre AE: possui uma ideologia tão verdadeiramente de esquerda, é uma pena isso ficar apenas na base.
Vejo a deficiência da formação dos militantes que em momento algum são incentivados a se formar politicamente lendo, discutindo, debatendo. Não há convites para atividades do partido senão quando alguma votação está em jogo ou assunto interno de correntes. Não há interesse da base em agir, se não tiver um CC em jogo. O bem da comunidade? Pra que , se o ‘militante’ pode ser secretário de alguma coisa qualquer que não vai fazer nada e ganhar dinheiro.
De filiação era apenas um ano, mas de lutar pelo suposto mesmo ideal é uma vida inteira. Não me sinto mais a vontade fazendo parte da sigla. Não me sinto mais representada por um partido que se diz dos trabalhadores mas na verdade, defende a burguesia do país. Abraça empreiteiros milionários desconsiderando o povo, como no caso de Belo Monte. Que desconsidera os direitos humanos e de permanência para favorecer um milionário que, inclusive deve cerca de R$15 milhões de IPTU, como é o caso de Pinheirinho. Um governo que apóia a barbárie. Eu não me sinto representada por um partido que está a tanto tempo no governo e que fez tão pouco para o povo. Eu não me sinto representada por governantes que não vão a luta, que não colocam a cara pra bater se for pra defender a massa e que se contenta com tramóias e troca de favores. Desculpe-me, mas é por esses e muitos outros motivos que eu declaro minha desfiliação do Partido dos Trabalhadores (PT).

Passo Fundo, março de 2012.

março 11, 2012

dezdotrêsdedoismiledoze

"E então vem aquele jogo de empurra empurra para rotular o culpado.
Ouvir um descontento nunca é possível.
Isso cansa. Isso abala.
Mexe tanto que você perde as forças.
Chora pra dentro.
Ri para fora.
Um riso de desespero."

Foi o que ela me disse, enquanto andava pela rua de pedra ainda quente por causa do sol.
Um carro parou.
Ofereceu 50.
Ela foi trabalhar.
E eu, dormir.

Boa noite.