dezembro 10, 2010

álcool, nicotina, bar e Beatles.


Ingra Costa e Silva

o papel de parede era descascado. eu ali, sentada num canto daquele bar imundo que lembrava uma taberna desses livros antigos. sorvia um wiskey sozinha. meninas direitas não bebem, já dizia minha mãe. ainda mais em bares. ainda mais sozinhas. mas do jeito que minha vida estava, desculpa mãe, mas eu só tinha uma coisa pra dizer: FODA-SE!
sentada num daqueles bancos que as baixinhas mal alcançam os pés no chão, e rodeada de quadros clássicos como Beatles e Amelie Poulin, puxei da bolsa o meu Bukowski e me pus a divagar. entre goles e palavras(lidas) , saía daquele mundo falido e fodido e ria com o pensamento de que Bukowski podia ter uma vida igual a minha. a vantagem de freqüentar estes lugares, é que o garçom não te importuna e sabe quando tu quer alguma coisa, que tu nem precisa chamar. é como se ele se materializasse do teu lado. o pessoal que freqüenta é maluco tanto quanto você (ou ainda mais) e se tu fumar um cigarro ou uma carteira lá dentro, estão todos pouco se lixando.
parece puta, diria minha avó, bebendo e fumando numa bodega!, coisa de homem ou de meretriz. um abraço pra ela. esse tipo de pensamento me faz falar de novo: FODA-SE! pelo menos ali era uma bolha aonde meus problemas não conseguiam penetrar. peguei um cigarro na bolsa. puta que pariu cadê o isqueiro? e quando levanto os olhos, ainda com o pito na boca, vejo que no canto oposto do bar tem outro esquecido, como eu. esquecidos pelo mundo. esquecidos pela sorte. (talvez até esquecidos pelo garçom, que desapareceu). na tentativa frustrada de embriagar os problemas. e se afundando na vida boêmia, mesmo que de maneira singular, assim como eu. ele tragava calmamente seu cigarro. e eu aqui, sem isqueiro. lembrei dos filmes de décadas passadas quando os cavalheiros, ao verem uma moça pôr o cigarro na boca, já tinham o fogo engatilhado. puxavam rapidamente o isqueiro brilhante e prateado e com o peito estufado seguravam aquela chama flamejante. seria legal se ele fizesse isso.bem legal.
ele também usava All-Star. uma camiseta do Paul e um jeans surrado. o cabelo era bagunçado e os olhos amendoados. achei interessante. fiquei olhando. desci os olhos para o meu Bukowski e lembrei do isqueiro. novamente me pus a revirar a bolsa. minutos passaram. nada. cansei do azar . subi os olhos e o cara tava ali do meu lado.
“quer fogo moça?” com o braço estendido e o isqueiro na mão. olhou o que eu lia. ele também gostava de Bukowski. era pouca coisa mais velho que eu. tinha a mesma profissão que eu. tocava violão, tinha uma banda de garagem que eu nunca ouvira falar mas segundo ele, uma hora dessas ia estourar. fazia vocal às vezes. a voz dele era muito, mas muito envolvente e eu não duvidava nada que ele conseguisse o que queria se falasse um pouco mais manso. falamos de Lucys, Judes, Helps e  Strawberrys. fossem forever ou não. e entre copos e palavras (agora proferidas) passaram-se horas até o garçom começar a levantar as cadeiras e limpar as mesas. ele me acompanhou até a maldita pensão que me arrisco a chamar de casa. me beijou antes de ir. disse que ia me ligar. mas ele não acendeu o meu cigarro. Let it Be.

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Essa crônica é resultado da falta de alguns dos itens citados acima, numa madrugada solitária de sexta-feira.
Ingra. 10/12/2010